terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Novas Imagens E. M. E. F. Álvaro Berchon







Imagens cedidas pela professora Eliane Harter Pires.

Esquema parcial da rede que retrata o desenvolvimento dos temas de 2005 em sala de aula


O esquema total é muito grande, tornando difícil a sua visualização e leitura em uma página com esse formato.

Buscando os temas geradores

  • Segundo o Regimento Escolar Padrão Para as Escola Rurais do município do Capão do Leão (2003: 6), aprovado pelo Conselho Estadual de Educação em dezembro de 2003 e, que é um dos documentos oficiais, que orienta esse processo de ensino:
    A Metodologia para o ensino Fundamental atende ao princípio da Interdisciplinariedade.
    As atividades pedagógicas são variadas e propostas através de projetos, temas geradores, utilizando-se recursos humanos e didáticos, audiovisuais, informativos por meio de exposição oral e dialogada, jogos, brincadeiras, músicas... oportunizando um aprender através do fazer e da interação entre teoria e prática, como instrumentos para a transformação
    ”.
    Essa proposta de educação tem como ponto de partida o respeito ao mundo do educando, ao mundo concreto e subjetivo, respeito a um tipo de saber que é construído no dia a dia dos grupos populares e, como diz Freire (1999:86):
    O respeito, então, ao saber popular implica necessariamente o respeito ao contexto cultural. A localidade dos educando é o ponto de partida para o conhecimento que eles vão criando do mundo. ‘Seu’ mundo, em última análise é a primeira e inevitável face do mundo mesmo.
    Na investigação educacional emancipatória a educadora trabalha com as pessoas que estão envolvidas na problemática e não para ou sobre elas, procurando envolver a todos colaborativamente em um processo de investigação, transformando-se em investigadora junto com o grupo, assumindo os problemas do grupo como seus também.
    Dentro de uma perspectiva de base concreta, o conhecimento e a Ciência partem da práxis/prática, que é ao mesmo tempo pensamento histórico e ação histórica, que só acontecem dentro de uma realidade carregada de possibilidades e de limites. (rachadura/fragmento). A ação histórica ocorre em diferentes abrangências – na sala de aula, na escola, na família, na comunidade, (...), .... – que provocam diferentes estratégias de ação por parte dos sujeitos. Esses sujeitos, entretanto, trazem sempre consigo a densidade ontológica das várias esferas, mantendo sua identidade nelas, mesmo que desenvolvendo relações algo diferentes. O pensamento histórico, que não está descolado da ação histórica, é enraizado, radical, vital e tem densidade ontológica, porque ele expressa intencionalidade constituindo-se assim, um movimento da prática (...).
    A práxis que se constitui através desse processo complexo, é um movimento de pensamento e ação que ocorre, pois, numa dimensão ontológica.
    Nesse processo educacional o objeto é a realidade na qual quero intervir com o outro, que é sujeito dessa realidade. Em um primeiro momento são levantados dados para potencializar a investigação que desencadeará a atividade educativa. Dessa forma são criadas as condições para que todos os envolvidos no processo (professores, alunos, comunidade) possam produzir Ciência, que se manifestará como a qualificação do pensamento histórico e da práxis/prática, possibilitando aos sujeitos envolvidos o domínio da realidade e a discussão dos problemas históricos com domínio de causa visando a decisão da melhor alternativa para todos e permitindo o exercício da cidadania/autonomia.
    Até o ano anterior vinha tentando desenvolver, com pais e alunos, a idéia de que a escola é lugar de produção de conhecimento, e não um simples depósito de informações para o aluno. Nesse diálogo constante sobre as práticas escolares e o objeto de estudo da Ciência, iniciamos um processo de investigação que permitiu levantar a diversidade de temáticas significativas para a comunidade escolar do Passo das Pedras.
    Na investigação emancipatória o objeto é a realidade na qual quero intervir com o outro, que é sujeito dessa realidade. Em um primeiro momento são levantados dados para potencializar a investigação que desencadeará a intervenção. Dessa forma são criadas as condições para que todos os envolvidos no processo (professores, alunos, comunidade) possam produzir Ciência, que se manifestará como a qualificação do pensamento histórico e da práxis/prática, possibilitando aos sujeitos envolvidos o domínio da realidade e a discussão dos problemas históricos com domínio de causa visando a decisão da melhor alternativa para todos e permitindo o exercício da cidadania/autonomia.
    Em um:
    (...), processo de formação permanente, preferencialmente, escolarização; para tanto necessitamos nos articular com grupos cada vez mais diversificados de pessoas. Por isso, esse processo de investigação (...) só tem sentido se continuar em um constante processo de revisão e reconstrução, ampliando-se para ações com outros grupos e outros realidades, mas não como modelo e sim como referência inicial de trabalho, (...) encontro em interação com outros grupos que me permitem repensar essa ação e pensar em outras possibilidades de trabalho, como a diretividade do planejamento e o real significado de investigação do tema gerador de uma comunidade (...)” (Miranda, 2002: 134)
    Para dar conta das “formalidades” do sistema de ensino do Município do Capão do Leão resolvi manter no início de ano letivo de 2006 alguns dos “temas integradores” do projeto de ensino do final do ano anterior (2005)[1] e parti para o levantamento, com o grupo, ainda em 2005, dos temas a serem trabalhados em 2006:
    Centralidade: comunidade/culturas/civilização
    · Tecnologias: transportes; ferramentas; comunicação (de massa, letras, números, pintura);
    · História: pessoal, da família, da escola; da comunidade; antiguidade/atualidade
    · Organização do espaço
    · Trabalho: família/escola/comunidade (atividade, profissões, produção); direitos e responsabilidades.
    · Lavoura: economia/consumo; agricultura (da região, irrigação, clima, solo, água); cadeia alimentar; agroecologia/transgenia; alimentos; chás, industrialização; distribuição; comércio;
    · Lua: o que é; relação com os outros astros; calendários; influência (nas plantas, nas pessoas, no planeta); lei da gravidade (peso/força, marés, satélites)

NOTAS
[1] :As pessoas com quem vivo e seus modos de vida; meio onde vivo; histórias de gente de verdade; o que as pessoas necessitam para viver; produção da comunidade; o grupo e suas regras; organizando o tempo e o espaço; as festividades do grupo; jogos, brincadeiras e crendices; a escola e seus trabalhadores; “em torno” da escola; serviços públicos da comunidade; Literatura Infantil; recursos naturais da comunidade; os ciclos da natureza; teias e cadeias alimentares; recursos hídricos da comunidade; consumo de água potável e não-potável; preservação e degradação do ambiente; saúde corporal e ambiental; (agro)economia, uso de agrotóxicos e sustentabilidade.

Movimentando o currículo de uma escola do campo através de uma ação colaborativa no enfrentamento dos problemas do dia a dia (2004-2005)

Do segundo semestre de 2004 até o final do ano de 2005, a Professora Eliane Harter Pires foi uma das maiores colaboradoras no projeto, participando ativamente das atividades e da discussão dos referenciais de pesquisa, inclusive ingressando no GAPE (Grupo de Ação e Pesquisa e Educação Popular, da FaE/UFPel). Ela foi a primeira professora da escola a colocar o currículo em discussão e chamar os pais para participar dessa discussão. Começou a trabalhar em outubro de 2003 com a 1ª série, em 2004 acompanhou seu grupo de educandos na 2ª série e em 2005 recebeu na 2ª série o meu grupo de educandos. Outra grande colaboradora, que passou a participar do trabalho de investigação, é a Professora Ana Maria Feijó Bório Xavier, presidente do Sindicato dos Municipários do Capão do Leão, que vem participando ativamente do processo de discussão dos problemas da comunidade escolar com pais/mães e no processo de formação de pais/mães da escola.
Na Escola M. E. F. Álvaro Berchon as professoras vinham enfrentando, principalmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental, um limite colocado pela comunidade escolar que era a idéia de que o conhecimento trabalhado nas escolas do campo deveria ser um “conhecimento inferior” ao das “escolas da cidade”, como dizia Joseana: “Na campanha as coisas tem que ser mais fáceis professora, a gente não precisa aprender muita coisa, porque a gente vai ficar aqui mesmo. Os da cidade é que precisam aprender mais” (4ª série, 10 anos, no ano de 2004).
Partir do saber dos educandos para a produção de um saber mais elaborado do mundo deles é um desafio apaixonante, principalmente se esses educandos são crianças que estão descobrindo o mundo. Trabalhar com a realidade, considerar a totalidade que a constitui é uma tarefa assustadora quando se está sozinho, mas quando trabalhamos com outros educadores e consideramos que os educandos são agentes do processo e também educam, essa tarefa torna a atividade pedagógica algo envolvente e abre o leque de possibilidades de trabalho com o grupo. Quando isso ocorre, 200 dias letivos tornam-se pouco para um ano letivo. Um projeto de trabalho, que pode inicialmente ter sido planejado para ser desenvolvido em poucos dias, começa a apontar novas possibilidades e novos projetos que necessitam envolver um número cada vez maior de pessoas e espalhar-se por territórios que estão muito além dos muros escolares.
A “sanga” que corre próxima a escola começa a ser percebida e a se tornar objeto de estudo; uma simples brincadeira com balões pode tornar-se um estudo sobre as leis da física; um filme, um desenho, ou uma novela tornam-se pretexto para produzir textos, problematizar relações sociais, enfrentar “monstros” e medos terríveis, estudar história universal e divisões geográfico-políticas; fazer o “rancho” semanal para os pais na hora do recreio, uma oportunidade para o grupo aprender a fazer cálculos, economia, leitura, ciências, educação ambiental, hábitos alimentares mais saudáveis,...
Quando as crianças encontram terreno fértil para sua curiosidade e pessoas dispostas a acompanhá-las nesse processo investigativo, elas começam a questionar mais e mais o mundo em que vivem, até que as relações dos grupos dos quais fazem parte se tornam objeto dessa curiosidade.
Nessa relação, não são envolvidos apenas educadoras e educandos, os pais/mães também têm um papel muito especial, pois a preocupação de acompanhar o aprendizado dos filhos os colocam em contato constante com a escola, questionando e cobrando os modelos de educação aos quais estavam acostumados. Numa relação (ação) colaborativa, as reuniões pedagógicas com a comunidade acabam assumindo um caráter educativo muito forte, pois pais e educadores discutem o processo de ensino desde as práticas cotidianas até os conteúdos oficiais e materiais oficiais do governo para as escolas. É um momento em que todos tem muito a dizer e a aprender e que por isso, também constitui a riqueza do processo educativo.
Esse processo não é manso, pois os conflitos existentes na comunidade são inúmeros e manifestam-se nessas reuniões e no cotidiano da sala de aula. Cada vez mais faz-se necessário procurar compreender esses conflitos da comunidade, mas sem os alimentar e sim, assumindo uma postura de indignação frente às demonstrações de preconceito. Essa postura de indignação ajuda-os a saber que existem outras formas de ver e tratar uma mesma questão e ajuda a problematizar o que vem acontecendo. Na relação com eles procuro me aproximar, mas não deixo de ser eu mesma[2], minha amorosidade não é ingênua, ela possui responsabilidades em relação ao grupo do qual já faço parte.
Na busca de construir um processo educativo que não seja invasão cultural, viemos – Eliane, eu e posteriormente Ana – tentando elaborar um conhecimento sobre as relações que constituem o grupo com o qual estamos atuando. Procuramos tentar entender o movimento do grupo, porque chegamos de fora. Acreditamos que é preciso conhecer para saber como os educandos e a comunidade vêm se tornado as pessoas que estão sendo e qual o nosso papel nesse espaço, como nos movimentarmos nele sem agredir as pessoas. Esse conhecimento,
... tem por base orientar-se para a realidade mesma que gera os problemas e na qual os homens estão. e, além disso, vai até ela com os homens que a vivem e, não, sem eles, para, assim juntos, extraírem da realidade que os mediatiza o conteúdo programático da educação” (Freire, 1979: 128).
No caso das primeiras séries, de 2004 a 2005, ocorreu um trabalho de investigação da realidade que era realizado diariamente e tinha como estratégias: (1) observações realizadas na sala de aula, na escola, na comunidade e no transporte escolar;
(2) conversas que eram estabelecidas com as crianças, com o pessoal da escola, com as mães e os pais, com professoras que já atuaram na escola e com pessoas que são da comunidade ou já foram;
(3) visitas à comunidade;
(4) passeios com registros, realizados com as crianças;
(5) reuniões pedagógicas com as mães/pais. O resultado desse trabalho vem sendo sistematizado em cadernos de campo e relatórios (Miranda, 2004, 2005 e 2006) e (Souza eti all, 2004).
Nesse processo de investigação, foi sendo buscada também uma aproximação das palavras geradoras do grupo de alfabetizandos (em 2004 e 2005), sendo que em 2004 elas foram resultado da análise dos dados que foram sendo organizados durante o ano e em 2005 as crianças passaram a fazer parte do processo de seleção, organizado essas palavras e elegendo as que iriam estudar.
A atividade de seleção e sugestão das palavras foi assumida pelo grupo de alfabetizandos de 2005 com a maior seriedade, assim como a proposição de temas de estudo, muitas vezes colocaram em “xeque” minhas conclusões sobre o que seriam temas e temáticas significativas para eles. A medida que tomaram parte na definição do planejamento, passei a estudar muito mais para “dar conta” das coisas que me perguntavam e do que propunham como conteúdo escolar para uma classe infantil. (Miranda, 2006: 10).
Esse trabalho estava amparado na idéia de que alfabetização não é puro treinamento técnico, pois acredito, como Freire (1997: 37), que
“(...) transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador”.
Por isso a busca de palavras que gerassem reflexão, criatividade, lúdico e ação era muito importante. Nesse processo também foi necessário, e continua sendo, lidar com as expectativas das crianças e da comunidade, pois um descuido nesse aspecto pode me levar a desrespeitar o grupo com o qual trabalho. Essa postura não quer dizer que eu, enquanto educadora e pessoa, irei assumir ingenuamente as concepções do grupo, mas sim, que necessito assumir que para problematizar é preciso conhecer.
Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos –, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entrega de forma desestruturada” (Freire, 2002: 83-84)
Por isso, no desenvolvimento do trabalho de investigação educacional colaborativo, na Educação Básica, em uma escola de Ensino Fundamental, da Zona Rural do município de Capão do Leão, é necessário adotar uma postura investigativa frente aos desafios do cotidiano do grupo com o qual se esta agindo e estar aberta aos sonhos e esperanças desse grupo. Buscar, a todo momento, perceber o seu agir e o pensar que sustenta esse agir. Nessa busca até mesmo o porquê estamos juntos é objeto de reflexão.
Ao contrário da imagem de senso comum de que as crianças da zona rural (do campo) são tão calmas que não falam, nem se mexem na sala de aula[3], a ação pedagógica, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Álvaro Berchon, mostrou que os educandos de uma escola do campo são inquietos, falantes, curiosos, ávidos por aprender, têm personalidade e sabem exatamente o que querem, escolhem as atividades que os agradam mais, sugerem o que fazer nas aulas, gostam de movimento, de música, de propor e coordenar brincadeiras. Que dependendo da criação familiar do grupo de cada ano, conseguem trabalhar melhor no coletivo ou não. Os que não estão acostumados, no entanto, têm grandes possibilidades de se desenvolverem nesse aspecto.
Os educandos avaliam-me constantemente em função de suas expectativas iniciais e das expectativas que vem construindo. Aquela imagem ingênua que me pintavam das crianças, foi desconstruída após as primeiras semanas de aula. Sinto que eles (educandos e comunidade) também reconstruíram a imagem de professora, pois não me temem mais e me contestam quando acham que estou errada. Percebi que a questão da autoridade está fundamentada no respeito mútuo e precisa ser alimentada todos os dias para que não vire licenciosidade, pois essa relação é muito nova para as crianças e adultos que vivem em um contexto político-cultural muito autoritário.
“(...) o educando que exercita sua liberdade ficará tão mais livre quanto mais eticamente vá assumindo a responsabilidade de suas ações. Decidir é romper e, para isso, preciso correr o risco. não se rompe como quem toma um suco de pitanga numa praia tropical. Mas, por outro lado a autoridade coerentemente democrática jamais se omite. Se recusa, de um lado, silenciar a liberdade dos educandos, rejeita, de outro, a sua supressão do processo de construção da boa disciplina” (Freire, 1997: 104).
Quando realizamos atividades fora da escola, ou participamos de eventos do município com eles o que chama a atenção é justamente a desinibição das crianças que conversam e levantam questões com naturalidade e sempre tem o que dizer sobre o que está sendo trabalhado. Esse fato me mostrou que de alguma forma o trabalho que estamos desenvolvendo com o grupo, até o momento, vem produzindo algo positivo, o que não quer dizer que não temos encontrado inúmeros obstáculos, pois o conflito com mães que tentam individualizar as relações, os conflitos existentes em torno do uso do transporte escolar, os constantes problemas de saúde das crianças e os conflitos existentes com o poder público e privado da região, interfere diretamente nas relações sociais que se dão dentro da escola.
Essas dificuldades que vão surgindo no dia a dia e as próprias dificuldades que surgem no desenvolvimento do processo ensino aprendizagem, como o desenvolvimento mais lento de alguns alunos, que têm tempos diferentes de aprender, não estão superadas, não deixaram de existir, outras somam-se a elas no decorrer do trabalho. No entanto, essas dificuldades também constituem a realidade do grupo e precisam ser levadas em conta no processo de investigação.
NOTAS
[1] “(...) sem omitir-lhes minha opção partidária e religiosa, o que me cabe é testemunhar-lhes minha profunda amorosidade pela liberdade, meu respeito aos limites sem os quais minha liberdade fenece, meu acatamento à sua liberdade em aprendizagem para que eles e elas, amanhã, a usem plenamente no domínio político tanto quanto no da fé.(...)” (Freire, 2000: 37)
[2] Essa concepção está presente nas falas de muitos professores com quem converso em meu município e em outros da região.

sábado, 22 de dezembro de 2007

Algumas imagens iniciais

Este é o mapa do município que é trabalhado na escola:


Fotografia do primeiro prédio da escola:




Considerações iniciais, contextualizando uma escola do campo da Região Sul do Estado do Rio Grande do Sul

De acordo com a LDBEN 9394/96 as escolas do campo (Zona Rural) tem direito a ter uma organização e um currículo que respeite as suas especificidades. No entanto, no caso do município do Capão do Leão, mais especificamente na escola Álvaro Berchon, na comunidade do Passo das Pedras de Baixo, a incorporação desse direito não vem sendo uma questão mansa. Primeiro, porque não existe interessea por parte do poder público municipal em manter as escolas do campo Depois, porque a escola está envolvida em uma rede de relações que se espalham por uma abrangência muito grande, uma vez que ela atende crinças e jovens oriundos de três distritos diferentes do município (Passo das Pedras, Pavão e Cerro das Almas), que cada um desses distritos é composto por duas ou três localidades diferentes com especificidades muito próprias e culturas muito diversas e, que, por causa da grande mobilidade dos trabalhadores assalariados dos grandes latifundios, hoje também atende crianças que estão vivendo temporariamente em casas de parentes, no perímetro urbano do município e que tem acesso a escola, porque o transporte desloca um grande número de professores urbanos, oriundos de outros município até a escola.
Oficialmente a escola é de Ensino Fundamental Incompleto e atende crianças de 1ª à 5ª série. Na prática, atende também crianças até 8ª série. As turmas de 6ª à 8ª série estão matriculadas em outra escola (Escola Municipal de Ensino Fundamental Luiz Raphael de Oliveira Sampaio) que está localizada na localidade do Pavão e também atende crianças filhas de funcionários de granjas.
Os aspectos a serem observados e respeitados em uma ação educativa que leve em conta a complexidade desse contexto são inúmeros e mexem com as práticas de muitas pessoas, pois para que isso ocorra é necessário considerar:
· a visão que as pessoas tem sobre o trabalho das educadoras e dos educandos da escola; o papel da escola em um contexto de campo (rural);
· os tipos de conteúdos a serem trabalhados em uma escola do campo onde os educandos são: filhos de trabalhadores rurais assalariados que trabalham para grandes latifundiários; filhos de trabalhadores assalariados de um engenho de arroz; e, filhos de pequenos agricultores;
· os conteúdos que perpassam as práticas de educadoras e educandos dentro do espaço escolar e nas relações com a comunidade do “entorno” da escola;
· o que é conhecimento no trabalho com esse contexto;
· o que é conhecimento escolar no trabalho com esse contexto;
· a forma como podem ser envolvidas questões que são constitutivas da comunidade escolar nos conteúdos oficiais;
· o trabalho com os conteúdos que são considerados “tabu” pelo sistema oficial de ensino do município e pelos patrões, que são problemas concretos enfrentados pela comunidade, sem ter o processo encerrado repentinamente através de uma intervenção;
· o envolvimento de pais e educandos no processo de aprender a dizer e defender a sua palavra[1]?
As questões acima não são fáceis de serem trabalhadas, mas o trabalho com elas não é impossível. A tentativa de movimentá-las nos lançou a um processo intenso de produção de uma educação do campo. Processo esse, que acabou desvelando situações de extrema opressão e de aceitação dessa opressão como algo legítimo para manter a “ordem”[2]. Mas, o movimento com os currículos escolares também produzem encontros. Encontros esses que levam a um outro processo intenso, que é o de produção de conhecimento.
No desenvolvimento do trabalho é necessário considerar qual a concepção de conhecimento, principalmente conhecimento produzido na escola, que as pessoas envolvidas no processo possuem. Pois ela irá orientar os primeiros diálogos e deverá ser problematizada em todos os momentos de avaliação do trabalho pedagógico.

Notas
[1] “(...)o diálogo, manifestação concreta da dialogicidade, essência da educação.
Quando tentamos um aprofundamento no diálogo como fenômeno humano, algo se nos revela que, poderíamos dizer, já é ele mesmo: a palavra. (...) Não há palavra verdadeira que não seja uma união inquebrantável de ação e reflexão.
Mas, como ação e reflexão constituem a práxis, a palavra é a práxis. Daí que, dizer a palavra autêntica é transformar o mundo. A palavra inautêntica, resultado da dicotomia que sofre em seus elementos constitutivos, não pode transformar a realidade. (...), alienada e alienante, é uma palavra oca da qual não se pode esperar a denúncia do mundo, já que não há denúncia sem transformação, nem transformação sem ação.” (Freire, 1979: )
[2] Como as linhas de ônibus são insuficientes para atender a demanda – há insuficiência de horários e alguns locais são muito distantes e desatendidos - o maior movimento é do transporte escolar. Mesmo assim, algumas crianças precisam caminhar muito para chegar ao local onde passa o transporte escolar. Nos dias de chuva os pais os levam de charrete, moto ou carro até a parada de ônibus - todos vão - apenas os alunos da vila, que moram um pouco mais distante da escola, faltam a aula. Para podermos falar com os pais que vivem nas granjas eles necessitam utilizar o transporte escola, no entanto esse movimento nem sempre é permitido, pois nem sempre motorista e a SMEC são “bonzinhos” e abrem uma exceção. Os problemas desse tipo de transportes são inúmeros, só no ano de 2005, ocorreram vários “incidentes” sérios, sendo que no ano anterior um motorista perdeu uma criança ao fazer uma curva na estrada. Os professores da escola fizeram uma mobilização e queixaram as autoridades. Por causa dessa mobilização, para intimidar o grupo, a Secretaria de Educação os ameaçou com processo, afastou profissionais da escola e abriu inquérito administrativo contra duas professoras, alegando quebra de hierarquia, por terem tornado o assunto público. O processo foi arquivado, porque todas as evidências apontavam para irregularidades em relação aos transportes que atendiam a comunidade.

Apresentação do trabalho

O trabalho consiste em um relato reflexivo de uma proposta de investigação colaborativa em uma escola do campo no município do Capão do Leão, RS, Brasil. Nele procuro levantar algumas referências para pensar a organização do processo educativo em escolas do campo a partir de limites enfrentados no dia a dia de nossa comunidade escolar. Essas referências são levantadas a partir do enfrentamento dos problemas vividos por nós (educadores, educandos e comunidade) na escola Municipal de Ensino Fundamental Álvaro Berchon, do Passo das Pedras, mas que são muito semelhantes aos limites enfrentados por outras escolas do campo.
A ação está fundamentada em bases freireanas e resulta em um intenso trabalho de investigação colaborativa da realidade, com a intenção de chegar aos temas geradores para o trabalho com o currículo escolar. O envolvimento dos pais no processo, propicia um espaço de formação para eles e a aproximação das palavras e temas geradores para o trabalho com o grupo de de educandos infantis da escola. Oportuniza também um trabalho pedagógico no qual o aluno ajuda a definir as etapas seguintes do planejamento e encaminha sua própria avaliação ao refletir-se dentro do processo de aprendizagem.
Durante o processo venho estudando e trazendo para discussão o papel das políticas públicas na educação do campo e a forma como elas vem sendo tratadas na região, bem como o referencial de Educação do Campo, de Educação Popular Pública e do referencial freireano, por acreditar que:
(1) são referências fortes no desenvolvimento do trabalho e nas reflexões (Ação-Reflexão-Ação);
(2) é o referencial que mais nos orienta no processo conflituoso de construção do conhecimento que estamos tentando desenvolver em uma escola de Educação Básica do Campo, sem abrir mão da amorosidade e da responsabilidade de meu papel de educadora que está se educando no processo com os(as) educandos(educandas) e com a comunidade.