sábado, 22 de dezembro de 2007

Considerações iniciais, contextualizando uma escola do campo da Região Sul do Estado do Rio Grande do Sul

De acordo com a LDBEN 9394/96 as escolas do campo (Zona Rural) tem direito a ter uma organização e um currículo que respeite as suas especificidades. No entanto, no caso do município do Capão do Leão, mais especificamente na escola Álvaro Berchon, na comunidade do Passo das Pedras de Baixo, a incorporação desse direito não vem sendo uma questão mansa. Primeiro, porque não existe interessea por parte do poder público municipal em manter as escolas do campo Depois, porque a escola está envolvida em uma rede de relações que se espalham por uma abrangência muito grande, uma vez que ela atende crinças e jovens oriundos de três distritos diferentes do município (Passo das Pedras, Pavão e Cerro das Almas), que cada um desses distritos é composto por duas ou três localidades diferentes com especificidades muito próprias e culturas muito diversas e, que, por causa da grande mobilidade dos trabalhadores assalariados dos grandes latifundios, hoje também atende crianças que estão vivendo temporariamente em casas de parentes, no perímetro urbano do município e que tem acesso a escola, porque o transporte desloca um grande número de professores urbanos, oriundos de outros município até a escola.
Oficialmente a escola é de Ensino Fundamental Incompleto e atende crianças de 1ª à 5ª série. Na prática, atende também crianças até 8ª série. As turmas de 6ª à 8ª série estão matriculadas em outra escola (Escola Municipal de Ensino Fundamental Luiz Raphael de Oliveira Sampaio) que está localizada na localidade do Pavão e também atende crianças filhas de funcionários de granjas.
Os aspectos a serem observados e respeitados em uma ação educativa que leve em conta a complexidade desse contexto são inúmeros e mexem com as práticas de muitas pessoas, pois para que isso ocorra é necessário considerar:
· a visão que as pessoas tem sobre o trabalho das educadoras e dos educandos da escola; o papel da escola em um contexto de campo (rural);
· os tipos de conteúdos a serem trabalhados em uma escola do campo onde os educandos são: filhos de trabalhadores rurais assalariados que trabalham para grandes latifundiários; filhos de trabalhadores assalariados de um engenho de arroz; e, filhos de pequenos agricultores;
· os conteúdos que perpassam as práticas de educadoras e educandos dentro do espaço escolar e nas relações com a comunidade do “entorno” da escola;
· o que é conhecimento no trabalho com esse contexto;
· o que é conhecimento escolar no trabalho com esse contexto;
· a forma como podem ser envolvidas questões que são constitutivas da comunidade escolar nos conteúdos oficiais;
· o trabalho com os conteúdos que são considerados “tabu” pelo sistema oficial de ensino do município e pelos patrões, que são problemas concretos enfrentados pela comunidade, sem ter o processo encerrado repentinamente através de uma intervenção;
· o envolvimento de pais e educandos no processo de aprender a dizer e defender a sua palavra[1]?
As questões acima não são fáceis de serem trabalhadas, mas o trabalho com elas não é impossível. A tentativa de movimentá-las nos lançou a um processo intenso de produção de uma educação do campo. Processo esse, que acabou desvelando situações de extrema opressão e de aceitação dessa opressão como algo legítimo para manter a “ordem”[2]. Mas, o movimento com os currículos escolares também produzem encontros. Encontros esses que levam a um outro processo intenso, que é o de produção de conhecimento.
No desenvolvimento do trabalho é necessário considerar qual a concepção de conhecimento, principalmente conhecimento produzido na escola, que as pessoas envolvidas no processo possuem. Pois ela irá orientar os primeiros diálogos e deverá ser problematizada em todos os momentos de avaliação do trabalho pedagógico.

Notas
[1] “(...)o diálogo, manifestação concreta da dialogicidade, essência da educação.
Quando tentamos um aprofundamento no diálogo como fenômeno humano, algo se nos revela que, poderíamos dizer, já é ele mesmo: a palavra. (...) Não há palavra verdadeira que não seja uma união inquebrantável de ação e reflexão.
Mas, como ação e reflexão constituem a práxis, a palavra é a práxis. Daí que, dizer a palavra autêntica é transformar o mundo. A palavra inautêntica, resultado da dicotomia que sofre em seus elementos constitutivos, não pode transformar a realidade. (...), alienada e alienante, é uma palavra oca da qual não se pode esperar a denúncia do mundo, já que não há denúncia sem transformação, nem transformação sem ação.” (Freire, 1979: )
[2] Como as linhas de ônibus são insuficientes para atender a demanda – há insuficiência de horários e alguns locais são muito distantes e desatendidos - o maior movimento é do transporte escolar. Mesmo assim, algumas crianças precisam caminhar muito para chegar ao local onde passa o transporte escolar. Nos dias de chuva os pais os levam de charrete, moto ou carro até a parada de ônibus - todos vão - apenas os alunos da vila, que moram um pouco mais distante da escola, faltam a aula. Para podermos falar com os pais que vivem nas granjas eles necessitam utilizar o transporte escola, no entanto esse movimento nem sempre é permitido, pois nem sempre motorista e a SMEC são “bonzinhos” e abrem uma exceção. Os problemas desse tipo de transportes são inúmeros, só no ano de 2005, ocorreram vários “incidentes” sérios, sendo que no ano anterior um motorista perdeu uma criança ao fazer uma curva na estrada. Os professores da escola fizeram uma mobilização e queixaram as autoridades. Por causa dessa mobilização, para intimidar o grupo, a Secretaria de Educação os ameaçou com processo, afastou profissionais da escola e abriu inquérito administrativo contra duas professoras, alegando quebra de hierarquia, por terem tornado o assunto público. O processo foi arquivado, porque todas as evidências apontavam para irregularidades em relação aos transportes que atendiam a comunidade.

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